segunda-feira, outubro 02, 2006

Amores revisitados...última parte

Passaram-se três dias e o telefone não tocou. O sentimento de vazio e a ansiedade foram-se instalando progressivamente. A espera por um telefonema que se previa que não iria ter lugar, a espera de um desfecho comum a tantos outros…
Tomei a iniciativa e liguei-lhe. Telefonemas uns atrás dos outros e nunca estava, ou melhor daria indicações do outro lado para dizer que não estava…Fiquei com a noção de ter perdido uma coisa minha e não havia nada que a pudesse substituir. Tudo à minha volta perdeu o interesse, nada tinha mais significado que ele. O seu sorriso atormentava os meus pensamentos. O fantasiar que ele pudesse estar com outra pessoa levava-me à loucura…
Após duas semanas de tentativas infrutíferas de falar com ele, lá me atendeu o telefone…
- Olá! Tudo bem…desapareceste? – perguntei envergonhado. As minhas pernas tremiam como se fosse pela primeira vez.
- Tenho estado muito ocupado, a peça tem exigido muito de mim…
- Eu queria muito falar contigo…
- A peça vai para o Porto daqui por três semanas, e tenho tido muitas coisas para tratar…
- Só um café! Preciso mesmo muito de falar contigo!

Era notório que o Filipe não queria estar comigo, a minha presença passou a ser um empecilho na vida dele. Ele deve ter percebido que de uma vez por todas teria que pôr um fim àquilo e acedeu encontrar-se comigo.
No dia seguinte, ás 11h30, lá estava eu numa esplanada de um café que existia no Cais do Sodré. Esperei até às 12h15, e quando já não tinha esperança que ele chegasse eis que surge o Filipe.
Não trazia o seu sorriso habitual, mas uma expressão dura de poucos amigos. Envergava o habitual casaco de cabedal e desta vez trazia uns óculos escuros que nunca os tirou.
- Então tudo bem? – pergunta num tom seco
- Desculpa impor-te a minha presença…
- …mas estás a impor! – interrompendo-me de forma violenta – és muito novo, tens 21 e eu tenho 28! Não te quero tirar da casa dos teus pais!
- Mas não tiras…
- …ouve…eu já sofri muito por amor…não quero que sofras por mim. Eu, ainda, amo outra pessoa! Não dá para andarmos a brincar aos namorados.
Se por um lado quase que chorei, por outro não lhe iria mostrar esta face mais frágil da minha pessoa.
O silêncio invadiu-nos.
- Tenho que me ir embora! Queres que te deixe em algum lado!?
- Não, obrigado. Até um dia destes…

O Filipe abandonou a esplanada e apercebi-me que tinha abandonado a minha vida de vez. Eu nunca fiz parte da vida dele…sentia-me como o brinquedo que serviu para mostrar aos outros…certamente fui mais um.
Vim a saber que a companhia foi para o Porto, e eu retomei a minha vida no ponto que a tinha deixado quando o conheci.
A noite já não tinha o mesmo encanto, faltava-me o conforto daquele sorriso. Aos poucos fui esquecendo-o. Vim a conhecer, outras facetas proibidas da sua vida que me levaram a compreender que ele pertencia a mundo distante do meu.
Passou-se um ano e nunca mais ouvi falar em tal pessoa, até que numa noite no Bairro, ao atravessar a Rua da Atalaia, ouvi um “Olá!..”. Não me virei sequer, pois havia um mundo de gente à entrada das Portas Largas. O “olá” fez-se ouvir novamente e continuei a andar. De repente uma pessoa, de forma muito apressada, coloca-se à minha frente…Era o Filipe.
- Olá, estás bom? – perguntou-me com aquele sorriso, que já não tinha aquele brilho dos tempos de outrora.
- Ah!...olá! Tudo bem!
Percebi naquele instante, que a insistência nos “olás” e o colocar-se propositadamente à minha frente, foi porque já não se lembrava do meu nome. “Grande puta” pensei…
Eu que tinha o nome do melhor amigo dele…naquele instante cruzou-me o espírito de quantos gajos ele terá tido durante esse ano que passou. “Fui mais um…”
- Estreei outra peça
- Eu sei! – respondi no tom mais seco que alguma vez pensei conseguir.
- Queres ir ver?
- Pode ser!

Aquela resposta afirmativa fez-se acompanhar dos sentimentos mais negativos que eu alguma vez poderia guardar dele. Mas aceitei.
- Pode ser na terça-feira? Vou deixar o bilhete à entrada e dizes que tens um bilhete guardado por mim…
Se tinha dúvidas que ele se tinha esquecido do meu nome, aquela era a confirmação final. Percebi que nunca tinha tido espaço na sua vida, que nunca lá tinha estado a não ser por efémeros momentos de êxtase físico. Foi só isso! Eu não tinho sido ninguém. Fui um engate que, ao contrário dos outros, não foi numa casa de banho publica, e que, pela forma mais inocente, lhe dedicou amor.
- Ok! – respondi com um sorriso nos lábios - Fica então combinado!
Escusado será dizer que nunca lá fui levantar o bilhete, nem tão pouco assisti à peça. Nunca mais o vi desde então, a não ser numa ou outra novela na televisão.
Afinal de contas o sorriso dele não era tão bonito assim…afinal de contas, é pelo sorriso que as meretrizes nos conquistam…

9 comentários:

Luís disse...

Os desfechos tristes tornaram-se tão comuns que infelizmente já se tornam previsíveis. Tinha estado a ler o capítulo anterior e saí. Enquanto caminhava pelo Saldanha pensava que por vezes as pessoas entram na nossa vida, inspiramo-las e depois já não as conseguimos expirar. Torna-se um jogo arriscado: deixar que entrem e expôr-mo-nos ao sofrimento ou fecharmos as portas e evitar o sofrimento mas também a felicidade?

A segunda resposta seria a mais ousada e corajosa. Mas por vezes a dor e o cansaço das desilusões é tanto que mais vale ficarmos fechados em nós. Num canto.

A história estava cativante: parabéns por esta incursão pelo passado e pela forma como a partilhaste!

Manuel disse...

É interessante a foma como nos posicionamos na vida: aquilo que para o Filipe era uma coisa furtuita e sem significado, para mim era algo de grandioso. A importância que atribuimos ás coisas prima pela singularidade de cada um. Eu na altura joguei um jogo que não conhecia as regras e saí vencido.

AEnima disse...

manuel, nao posso dizer que a historia da minha primeira vez fosse parecida com a tua, mas o sentimento final que la ficou ao longo dos anos eh o mesmo. No fundo, nao sao todas as historias de amor iguais? Para mim, as do final feliz eh porque ainda nao terminaram.

Manuel disse...

Aenima:
Que bom ter-te de volta! Tem-se tornado um hábito recuperar coisas que escreves e não posso deixar escapar esta..."No fundo, nao sao todas as historias de amor iguais? Para mim, as do final feliz é porque ainda nao terminaram."
- Concordo em absoluto contigo!

AEnima disse...

Continua a encartar-me que eu volto. Beijinho.

Anónimo disse...

Pura ficção ou realidade,
Uma história de vida certamente,
Passada por muita gente...

Anónimo disse...

Voltar atrás no tempo é doloroso. É pensar no que poderia ter sido feito, e não se fez. É reviver a inocência de uma perspectiva diferente. É doloroso. Mas acho que todos já tivemos uma história semelhante. Eu pelo menos recordei a minha.

Anónimo disse...

Podia dizer que não precisava ler o final da história para já assim saber qual seria. Esta história é comum no escutar, do saber, no viver.... Este teu capítulo é comum a tantas realidades humanas. A magia! A sedução! A ilusão... E depois... A fustração, a desilusão, a perda da esperança, a dor, o vazio...

Realidades de vida! E para mim nunca houve ai o que chamo Amor... apenas uma paixão que surgio, uma paixão que era mágica pela pessoa que era, pela posição da pessoa, pela fantasia do mundo do sonho que te ofereçeu viver durante uns dias... depois evaporou como o consumir da sua sede...

Um abraço :)

Pedro Eleutério disse...

Oi,

venho aqui, já atrasado, mas só consegui ter a net a funcionar a 100% hoje. E assim chegámos ao fim deste teu regresso ao passado. Estive a ler os outros comentários e reparei na onda extremamente negativa que assombrou todos eles. Não sei se é de eu estar a viver no brasil ou se sempre fui assim, mas a verdade é que a vida é mesmo assim... e não estou a ser frio em relação ao amor. Não é isso. Apenas que os finais felizes só acontecem em livros e filmes. O ser humano nunca terá a capacidade de ser feliz. E é isso que temos de entender. Nós temos, sim, a capacidade de nos irmos realizando aos poucos. E a frase que eu queria deixar, foi uma que li num cartaz dos "the gift" em que eles diziam: "Se a felicidade se faz de momentos felizes então somos felizes." Temos de aproveitar os vários momentos felizes que a vida nos vai apresentando. Todo o mundo acaba relações. Todo o mundo começa novas relações e temos de pensar nelas como estágios da vida, patamares... Se um dia encontraremos o principe perfeito? Acho que não! Se algum dia encontraremos alguém que consiga suportar os nossos defeitos e nós os dele... acho mais possível. Será que temos a capacidade de ultrapassar certas coisas nos outros que às vezes nos incomodam? Será que temos a capacidade de nos privar de certos hábitos por outra pessoa? Será que temos efectivamente a capacidade de amar verdadeiramente alguém de corpo e alma ao ponto de contornar todos os pontos negativos? Pois é... é muito complicado! E é claro que todos passámos por isto e todos iremos passar e passar e passar. A nossa condição é essa. De eterna busca e eterna frustração. Só temos que aprender a viver com isso e deixar de ver tantos filmes da disney! Ou então pensar nas questões que coloquei com os "será" e ver se estamos dispostos a isso.

Um abraço