terça-feira, setembro 19, 2006

Amores revisitados...Parte I

Tinha descoberto a noite de Lisboa, com 21 anos, a caminho dos 22, e estava no último ano da faculdade. Conheci as pessoas certas que me introduziram aos lugares certos.
Era a loucura total: a noite começava à quinta-feira e terminava no domingo à tarde. O início da semana era acompanhado por uma depressão que ansiava pela quinta-feira.
Eram tempos em que o Frágil era Frágil e o Alcântara era passagem obrigatória e o Kremlin o começar do dia.
Conheci o Filipe (nome fictício pelas razões que irão perceber) no Frágil, era namorado de um primo deste meu amigo, e andava pelas bocas do mundo uma vez que era actor e tinha sido protagonista num filme que ainda teve algum sucesso. O Filipe tinha então 27 anos, moreno, cabelo preto, um sorriso enternecedor e uma voz grave e imponente. Obviamente que quando o conheci não estava nos meus planos apaixonar-me por ele, dado que era uma pessoa famosa e certamente nunca se iria interessar por um universitário, que não vestia roupa de marca e que ainda dependia economicamente dos pais.
Passaram-se algumas semanas e numa dessas saídas, não me recordo se sexta se sábado, fui sair com este meu amigo. O ponto de encontro foi em Cacilhas ás 23h30.
Não queria acreditar naquilo que estava a ver: trazia uma túnica branca, com muitos colares do género hare krishna e trazia os lábios pintados de uma cor térrea… pensei ”Meu Deus, para o que eu estava guardado…isto não me está a acontecer…”.
No meio da decepção da imagem dantesca que eu tinha observado, ele disse “Vamos ter com o Filipe ao Keops que ele acabou com o meu primo!”. Eu, inocentemente, ainda perguntei quando é que tinha acontecido e pelos vistos já fazia algum tempo. A ideia de ir ter com o Filipe foi como uma agradável compensação, e um arrepio por ir ter com ele. Não propriamente por fantasiar a respeito dele, mas sim pelo facto de acompanhar uma pessoa celebre do meio artístico. Achei que assim toda a gente iria reparar em mim…como se eu precisasse! Com 1, 90 não passava despercebido em lado nenhum…
Lá fomos então.
Entrámos no Keops, fomos cumprimentados pelo dono, que era espanhol, e lá estava o Filipe, encostado a uma parede, a aguardar por nós. Cumprimentámo-nos e aquele sorriso naquela noite pareceu-me mais bonito, tal como nos encontros seguintes. O seu sorriso era sempre mais bonito cada vez que o via…
Do Keops, fomos ao Frágil, Trumps e depois o Alcântara. Não sei como é nos dias de hoje, mas o Alcântara de então revestia-se de uma mística especial: gente bonita, interessante, gente do mundo da moda das artes, numa feira de vaidades com roupas de criadores…nem sei. Acho que ainda não encontrei as palavras que descrevam o Alcântara de então. Era mágico...tudo acontecia lá…mesmo!
Estávamos no privado - espaço com musica cujos decibéis permitem estabelecer uma conversa – e o Filipe segreda o meu amigo, e os dois sorriem para mim. Fingindo-me de incomodado perguntei o que se passava, ao que o meu amigo responde que “ele acha-te muito engraçado…”. Não podia ser real! Um elogio daquele pedaço de homem que era cobiçado por meia Lisboa, não podia ser verdade!!! Mas foi! Esta noite terminou com um pequeno-almoço na pastelaria Suiça, com o meu amigo contrariado por não termos ido à missa das sete na Basílica da Estrela naquela triste figura…era louco! Hoje penso que ele dava na coca…
Trocámos os números de telefone, e gerou-se ali uma cumplicidade, um cortejo de forma subtil, mas tudo num ambiente muito romântico. Fiquei de ir ter com ele ao Teatro D. Maria, para bebermos café na segunda-feira seguinte, pois estava em ensaios para uma peça que iria estrear dali por duas semanas.
Lá fui…

4 comentários:

Anónimo disse...

Isto é apenas um início de uma das histórias da tua vida...Mas conseguiste com essas palavras colocar-me em todos esses locais, sentindo a vibração das luzes perante um qualquer som sentido... :) Esta tua história faz-me recordar um livro que li não faz muitos anos,que passa por todos esses espaços, em que tudo parece aconetcer assim sem razão, motivo ou porquê... "Morcegos Libertinos, Borboletas Nocturnas" se não o leste ainda devias ler, acho que te vais reconhecer lá :)

Abraço :)

Luís disse...

É tão bom abrir o baú das recordações e olhar os farrapos do tempo que se estendem nas nossas mãos. Eu adoro o início das histórias de amor. Um dia destes conto-te um episódio dos meus :)

Anónimo disse...

O livro é editado pela ofiçina do livro cujo autor é Nelson Sacramento. Não se trata de uma obra prima de literatura, mas afirma essa noite de Lisboa que aparece aqui descrita pelo Manuel. Assume-se como um descobrir da sexualidade, um revelar do ser enquanto ser, um mundo real, talvez de sonho para quem hoje passa as noites pelas ruas do Bairro Alto, uma realidade distinta, essa, a de outros tempos!

Abraços,

Manuel disse...

Luis:
Eu também gosto de rever os trapos velhos...ainda bem que eles já não me servem...não vá eu querer vesti-los...
É um exercicio interessante de se fazer. Revemos com o devido distanciamento, com mais objectividade e analisamos as coisas que fizemos com o conhecimento que detemos agora. Ainda bem que crescemos...

Thinker:
Não fazes ideia do prazer que me dá recordar esses sitios com o encanto que eles tinham...a subtiliza e a cumplicidade entre estranhos. Era um mundo restrito cujos códigos não eram partilhados por todos.

Serrano:
Embora esta seja uma história real, confesso-te que os teus contos são bem mais interessantes.


Um grande bem haja a todos pelas visitas e pelas palavras.

BJS e Abraços - cada um leva o que quiser...lolololololo